Carta ao senhor Primeiro Ministro
Senhor primeiro-ministro,
Achei bonita a oportunidade de lhe escrever, ainda que seja inútil – ainda que quem me lê, seja quem conheça a realidade de perto – nada disto é na verdade, novo. A menos para si, uma realidade que finge ser utópica, mas que é vista a pisar as calçadas portuguesas, tipicamente portuguesas, todos os dias. Calçadas essas, que representa. Cresci numa família, monetariamente, estável. Dei-me ao luxo de ir com os meus pais, e o meu irmão mais velho, a algumas cidades pelo país, de dormir em alguns hotéis, e andar nos carroceis (era pequena, queria andar nos carroceis). Quando tinha 9 anos, senhor primeiro-ministro, a minha mãe resolveu engravidar. Não pensámos na crise – ou pelo menos, não pensámos, que podíamos ser roubados. A verdade é que tive uma irmã nesse ano, passado 8 meses de saber que a minha mãe estava grávida. Infelizmente a minha mãe teve um descolamento de placenta senhor primeiro-ministro. Infelizmente a minha infância terminou ali. Os carroceis – os hotéis – e as cidades com luzes diferentes de Lisboa. Os meus pais trabalhavam há 25 anos, trabalharam desde sempre, descontaram desde sempre (mal eles sabiam), descontaram durante quase 25 anos.
Sabe, senhor primeiro-ministro, sabem, senhores ministros, a minha mãe teve que deixar de trabalhar. A minha irmã não vê, não ouve, não fala nem come, como uma criança normal, mas sente. Sabe o que lhe aconteceu, quando o meu pai emigrou para Londres para TENTAR nos sustentar? Entrou em coma – como forma de protesto – queria o meu pai de volta. Queria a única coisa que tem, o amor incondicional da família. O meu pai voltou e deixou de ter um bom ordenado como tinha no Reino Unido, voltou para poder dar-nos o abraço que só um pai sabe dar. Mas isso não chega senhor primeiro-ministro, o abraço dele não nos chegou. Deixámos de ter dinheiro para ir a carroceis. Eu tive que me empenhar nos estudos, desde os 9 anos que sonho dar aos meus pais, aquilo que eles merecem, depois de anos de trabalho. Sabe senhor primeiro-ministro, sabem, senhores ministros, quanto é que a minha mãe recebe devido a ter a minha irmã com uma paralisia cerebral de 98%? Não chega a 70€. Agora pergunto de novo – sabe senhor primeiro-ministro, sabem, senhores ministros, quando é que ela gasta só em medicação? As minhas mãos tremem só de imaginar explicar-vos os valores. Para terem noção, uma cadeira especial para ela ter a coluna direita, custou mais de 4000€. Agora eu pergunto, após 25 anos de descontos, a minha mãe não pode trabalhar tem, no entanto, 70€ por mês pela presença da minha irmã, e mais uns trocos do meu abono. Posso saber, senhor primeiro-ministro, como pode a minha irmã ter uma cadeira de 4000€? Até porque a Santa Casa, só paga a cadeira cerca de 2 anos depois, quando a mesma, já dá para o tamanho dela (irónico, não é?).
Estou no 12º ano agora, entrei um ano mais cedo dado as minhas capacidades serem acima da média (pois houve um tempo, em que a minha mãe me podia ensinar tudo direitinho, agora passa as horas a contar o pouco dinheiro que tem.) Estou no 12º ano e não sei o que fazer a seguir. Escrevi um livro (é isto a que nos incentivam? A sermos empreendedores?) Escrevi um livro para poder pagar o meu passe, carregar o meu telefone, e responder às necessidades, que, enquanto adolescente tenho e que infelizmente, os meus pais não podem suportar. O meu irmão mais velho tem 23 anos, está no último ano da faculdade. Não sei o que será dele depois – depois disto! Sabe, senhor primeiro-ministro, tenho ido às manifestações – e não vou porque é giro, ou porque me apetece gritar um bocadinho para alivar a eterna revolta, vou, porque quero ser feliz. Quero levar os meus filhos aos carroceis – posso, senhor primeiro-ministro? A verdade é que aos 17 anos já escrevi dois livros, escrevo para um jornal como passatempo, faço voluntariado em diversas associações – tenho um futuro garantido? Claro que não, senhor primeiro-ministro. Não me vou iludir, como a pobre da minha mãe, que se encontra com uma depressão profunda, e que sinceramente, não sei quanto tempo mais suporta a sobriedade. Sabe, gosto de pintar o cabelo, de tatuagens e de piercings, sabe, senhor primeiro-ministro, as senhoras mais velhas olham-me de lado no metro, o que elas não sabem, é que luto todos os dias para que exista paz em casa. O que elas não sabem, é que não foi só a reforma delas que foi embora, mas que os meus pais são pessoas boas - que sempre ajudaram todos e agora precisam de ajuda. O que elas também não sabem, senhor primeiro-ministro, é que todas as noites adormeço a pensar de que forma poderei dar aos meus pais mais do que amor - porque o amor, não põe pão na mesa! (Embora quase - quase.)
Obrigada, senhor primeiro-ministro, pelo dinheiro que faz aqui chegar, que não dá sequer para as fraldas da minha pequenina. Obrigada, senhor primeiro-ministro, por fazer com que a minha irmã fosse parar ao Hospital em coma de todas as vezes que percebeu que o pai tinha emigrado para tentar comprar as cadeiras que ela precisava. Já agora, o meu Natal foi bonito, não houve peru, ou bacalhau, mas houve consciências tranquilas na mesa – e o seu? Houve peru e bacalhau, cálculo, mas, e consciências tranquilas sentadas na mesa? Sei que a culpa não é toda sua, senhor primeiro-ministro, mas deu a cara a esta vergonha – como foi o seu início de ano? O nosso foi a pensar que possivelmente amanhã a insanidade bate-nos à porta, pois já não sabemos suportar tais responsabilidades. Obrigada, pelo que deu aos meus pais, depois de terem uma filha com paralisia cerebral e terem que deixar de trabalhar - ao fim de 25 anos de descontos.
Atenciosamente,
Uma adolescente de 17 anos, que quer garantir um futuro aos pais, ao país e ao amor - que cada vez se vê menos nas ruas.
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