Multiplicações de nós-próprios

Parte I
Narcisismo

Somos todos tentativas falhadas de personalizações, de moldes e ajustes feitos à medida exclusivamente desta nossa barriga gorda. Arquitectar quem nos é, num todo, de forma a sermos reflexos – sermos espelhos de atitudes consideradas exemplos a seguir unicamente por serem postas em prática por nós próprios.  Talvez por isso, hoje o meu peito rebenta por debaixo do céu estrelado na terra sem nome; talvez por isso me falte o sossego, o necessário à possibilidade de equilíbrio. Crescer com asas que me rasgaram as costas e cresceram donas de si – sem sequer me questionarem se queria ser rebelde, como sou – como elas me fizeram ser. Cicatrizes cravadas nesta parte detrás do coração; simbolismos óbvios quando tentada uma definição para esta instabilidade que fulmino com olhar. É uma mixórdia de certezas quando pensado o berço desta ideia de sermos únicos e inquestionavelmente, querermos nos ajustar aos padrões. Não sei se esta necessidade de manifesto constante em relação à urgência de defender as pessoas como Pessoas que são, é fruto de uma construção genética ou se serei só um mau exemplo das circunstâncias da vida cuja sorte nem sempre predominou – ainda que o conceito de sorte seja indefinível. Independentemente de não me conseguir definir em afirmações sobre a origem deste meu espirito sem casa, não me condeno nunca por não ser uma criação narcísica de quem não se achou auto-suficiente e me foi tentando melhorar segundo critérios pessoais. Foi-me dado um ninho como ave ignorante que era quando o céu me fez frente mal abri os pequenos olhos de presa. Foram me dadas as asas como ave curiosa que era quando o céu me foi dado como possibilidade, mal conheci este meu espirito de rapina. Onde está a hipótese de voar? Agora que o céu é uma necessidade de exploração e eventual libertação desta ave que sou, que ouviu o coração de falcão e nunca se tornou caçadora – mas também nunca permitirá ser caça.

Parte II
Arrependimento vs Humildade


Não sei se o vento vos sopra ao ouvido da mesma forma apetecível com que me canta canções de eventuais fugas não planeadas. Uma tentação indisciplinada – que surge juntamente com a necessidade de libertação óbvia para quem o espirito já é vomitado em conjunto com as palavras repetidas pelos que cresceram – socialmente. Vejo-me escorregar nessa construção em massa dos corações preparados para defesa ou ataque. Onde nunca reina a possibilidade de uma harmonia colectiva – sinto um eflúvio a urgência de semelhança nas peles de cordeiro que todos resolveram vestir. Será tendência? Degraus criados, caminhados por quem não consegue ser mais do que o óbvio. Essa vida – esse percurso igual a todos os percursos; porque raio sobem todos a mesma escadaria? Será tendência? Projectam os sonhos que nunca atingem por falta de capacidade de libertação do que é supostamente e politicamente correcto – nas criações excessivamente narcísicas que falam. Acho que o medo dessa arquitectura não se desenvolver segundo a maquete iniciada por vocês próprios, assusta. Talvez venham daí os erros geracionais que tanto são criticados. A ideia do que o nosso é melhor – nós é que vivemos mais e pior – “se tivessem vivido no meu tempo”; “se tivessem tido a minha educação”; “se eu, eu, eu – se a mim, a mim, a mim”. Reinos onde o cultivo de um futuro é escasso por haver excesso de tempo desperdiçado na manutenção desse discurso narcísico, como uma horta qualquer. As bussolas partem-se para quem se imagina enquanto início de história de final feliz, a partir do momento em que se narram histórias onde este nosso presente é passado de todos os grandes protagonistas nesta ideia de Vida – de vida. Crescemos sem sermos projecções – somos agora os restos do almoço, os restos de passados onde a sobrevalorização era banda sonora e agora não a sabemos cantar. No fundo, todos os nossos próximos serão sempre piores a menos que se assemelhem a este nosso reflexo, a esta tentativa à partida falhada de também nós sermos espelhos de não evoluções que nos esfregam o quão sortudos somos. Sei lá – tento concentrar-me na capacidade de abstracção desse discurso decorado pelos demais, fugindo a esta tendência de criticar, para eventualmente me arrepender. No fundo o que nos falta a todos é um bocadinho mais de respeito e humildade. Esta ideia de sermos produção em massa se for aprofundada, não será tida como uma Primavera num desses filmes que se projectam nas mesas ao jantar. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

sobriedade.

Women's Strike (Again!)

Seeling Used Underwear Online (Interview)