Resumos

Componho a mesa da sala na esperança que as flores te possam distrair do resto. O meu corpo treme e a minha voz engasga-se com ela própria. Deixei de saber soletrar palavras básicas. Escrevi-te um livro.  

    - Escrevi-te um livro. - Cai-te a chávena de café da mão e sujas os tênis. Soube nesse momento que a frase te consumia. Não tiveste a prontidão de correr para os limpares. Não tiveste um súbito surto de arranjar o que está errado. Imóvel. Paralisada. Mais que um metro e meio de cabelos ondulados e sorrisos de quem ama. Mais que um metro de mim - de pedaços de mim. A obra. O protótipo. A obra diante de quem a admira.  

    - O que diz? - Brilhavas, inevitavelmente. Curiosa - imparável. Inquieta. Pestanejavas rápido o suficiente para fazeres o meu batimento cardíaco acelerar. - O que diz? - Repetias. 

      - É grande. - e era. - Posso-te ler o resumo. Posso-te ler o resumo? - verba(lidades) corporais. Entendi que estavas à espera que a minha voz tomasse rumo e se endireitasse. Como eu. Como tu. E na feroz possibilidade, ganhei balanço e dancei-te em palavras. - Não me lembro de como é suposto aguentar distâncias. Antes - antes da incapacidade de te tocar, decorei-te para te fazer vida na monotonia dos fins de tarde. Imaginar conversas e saber-te expressões. Se tivesse que te entregar a alguém - monogamias incrédulas - saberia exactamente de que forma o fazer. Delicadamente. Diria sempre para tomarem bem conta de ti. Ias parecer zangada quando estivesses triste. Que ias parecer agressiva sempre que as opções te parecessem escassas e não houvessem planos A - muito menos B. Que beijos pela manhã - ao acordar - seriam pouco frequentes. Não iam haver muitas prendas - mas não fazia mal - és assim e isso não significava que não amasses o suficiente para imaginares surpresas na tua cabeça. Que depois se perdem. Saberia exactamente de que forma o fazer. Abraçava-te e deixava-te ir. Dava recomendações de atenções ao detalhe. Sabes - dizia eu - ela não vai dizer sempre coisas bonitas mas é aí, que te vai amar mais e mais. Quando as promessas se trocarem em discussões que acabam em arrependimentos. Quando o querer agradar dá lugar à transparência, que nem sempre é bonita. Para mim - é sempre bonita por ser genuína. Por (me) seres genuína.

Ainda bem que não te tenho que entregar - monogamias incrédulas - e que te decorei. Danças. Danço. És danças - que eu danço. Olho para ti e sei que vão existir momentos em que aquilo que me faz ficar é a certeza de te respeitar. De te respirar. Os teus defeitos. Os fantasmas inevitáveis debaixo de camas alheias tornam-te mais mágica - e quando (me) doerem, quando realmente me doerem - falo-lhes do que és. De como sorris. De como és bonita. De como amas - mas nem sempre sabes amar. Falo-lhes de como não me assustam porque são pequenos átomos em vão. Que vão. Que só voltam quando precisas de alguém que te diga que te ama. Sem mas. Sem se nãos. Sem condições ou regras que te vão dar vontade de as quebrar. Laços - desenlaço-os. Dou-te as mãos e lembro-te de que os amanheceres são espelhos da coisa mais bonita que tens para lá do olhar - aquilo que és por dentro.

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