vestido.
O calor insuportável obrigou-me a usar o único vestido que tinha. Abri o armário. No intenso cheiro a abafado encontrei o vestido cor de Verão. A casa estava decorada com silêncios agradáveis e paisagens de livros. Passagens de livros. Senti a tua presença, como quando andas pela casa durante a noite. Uma t-shirt qualquer e uns boxers característicos. Como quando andas dentro de mim. Arrastei-me - sem rumo. A cozinha estava ridiculamente vazia. Não existiam restos de comida. Rastos de Pessoas. As guitarras na sala pareciam novas e intocáveis. Era clara a nossa divisão - a divisão do que somos. As tuas coisas pareciam-me, romanticamente, infantis. O infantil que dá um tom doce ao que és. Como a tua boca. O doce de ti. Sentei-me nas escadas lá fora. O vestido já só cheirava a uma inocência antiga. Os olhos perdiam-se no quente a fugir do alcatrão na linha do horizonte. A imagem era tremida. As minhas mãos estavam secas e a melancolia da solidão embalava-me. Quando me perdi entre a realidade e a profundidade do sossego, as portas do carro bateram. Um beijo na testa. Um sorriso eterno. Um preenchimento bonito. A sensação de que havia sempre um regressar ao fim do dia. Um regressar ao início da nossa Vida.
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