Queria falar da minha viagem - mas vou falar da depressão.
Queria contar-vos a minha viagem mas não consigo. Queria lembrar-me como estava ontem - mas não consigo. Sei que estava feliz, é só o que sei. Hoje já não estou. Queria contar-vos o que sinto mas não consigo. Sei que é alguma coisa forte - mais forte que eu. Sei que me leva o ar e me traz lágrimas infinitas. Que quando alguém bate à porta eu tenho medo de abrir. Que as cartas que não têm nome me sufocam. Também sei que sempre fui independente. Autónoma. Sei que antes tomava conta de mim, sozinha. Agora não consigo. Se calhar amanhã já vou conseguir - mas só amanhã.
Depressão parece uma palavra muito simples para descrever este peso. Sei que a sociedade não me preparou para isto. Não se vê - não é uma gripe. Não se pega. Mas pega - contamino todos os sítios onde coloco as mãos. Onde não coloco o coração. Ficam as marcas nos braços - para sempre. As das pernas. As tatuagens vão escondendo. Iam. Agora já não tenho força para fazer o que gosto. As tatuagens. Os abraços. Sair e ser feliz. Se calhar daqui a pouco já consigo. Agora parece que não vou conseguir nunca. Ficam as perguntas das marcas que dão para ver. As que estão aqui dentro pouco interessam. Não interessam.
Sempre fui forte - agora vou sendo. Devagar. Depois existem dias como o de hoje em que não vos consigo contar como foi a minha viagem. Mas sei que foi boa. Que não levei este peso comigo mas que ficou aqui a esperar por mim. Nem sei do que foi, de quem foi - o que me trouxe o medo. Quem me trouxe o medo. Só sei que as pessoas na rua parecem querer fazer-me mal - mas não querem. Também sei que pareço um fardo para quem me ama - mas não sou. Agora sei que não me querem fazer mal. Que não sou um fardo para quem me ama. Amanhã não sei se sei - daqui a pouco não sei se sei.
Esta coisa da depressão - não havia um termo mais complexo e violento? - controla-me. Que ironia - sempre me achei indomável. Leva-me o que gosto; leva-me o eu gostar. Só hoje. Amanhã não sei. Veste-me e despe-me. Atira-me para a cama e arranca-me da cama. Não existe ativismo que me salve. Luta que me defenda. Esta é minha - que ironia, lutar contra o que me leva a força de guerra.
Existem momentos bonitos, quando penso que vai tudo ficar bem. Tudo correr bem. Que faço planos para o dia a seguir; mas e os dias a seguir? Eu não sei. Nem da minha viagem eu sei. O que escrevi lá foi bonito - espero amanhã conseguir reviver as palavras bonitas. Espero amanhã acordar e a sociedade estar um pouco mais educada. Que não precise das minhas marcas nos braços. Nas pernas. Que só precise do que eu digo - que tenho medo. Que dói. Mas que não se vê. Se calhar amanhã as pessoas vão ser mais gentis, Vão conseguir respeitar o que lhes digo e lembrarem-se disso para sempre - como a minha viagem, como eu queria lembrar-me dela para sempre.
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