Sou feminista e quero ser Mãe
A sociedade espera da Mulher a reprodução. Devemos ser Mães antes de sermos Mulheres. Na verdade somos tudo antes de sermos Mulheres porque ser Mulher não chega. O feminismo deve abraçar aquilo que enquanto Pessoa queremos fazer – desde que não prejudique outrxs, obviamente. O que não deve acontecer é impingirmos a alguém a reprodução - o que também não deve acontecer é anularmos as lutas de quem escolhe "ter" crianças. No feminismo existe uma luta que está lado a lado com Mulheres childfree – as Mulheres que não querem ter filhxs. E está lado a lado por ser o direito da Mulher escolher o que fazer com a vida dela – desconstruir pressupostos sociais e viver uma vida longe daquilo que chamam de "relógio biológico". Este "relógio biológico" não é se não uma pressão para a reprodução - sermos úteis em qualquer coisa, um termo ofensivo e forçado que anula a decisão da Mulher. Depois existe o discurso de: é uma fase, um dia vais querer engravidar. Um discurso enraizado na sociedade que novamente anula a decisão da Mulher. O feminismo tem que se comprometer a defender estes interesses pessoais – a liberdade para decidir – parar a policialização de corpos. Ao fim de termos esta consciência, ao fim de percebermos que não somos obrigadas a corresponder a esta pressão social, ao fim de lermos, de nos amarmos, ao fim de termos em nós o direito a decidir e decidirmos ter filhxs - onde é que ficamos?
Eu sou feminista e quero ser mãe. Já estive em imensos debates onde existiram discursos de ódio a crianças. Decidir não ser mãe não permite um discurso de ódio, permite não ser mãe, lutar contra a sociedade patriarcal e machista - não um discurso de ódio a um grupo tão importante e marginalizado. Ser feminista e ser Mãe também é uma luta. Nem todas as Mães são heterossexuais: lutam pelo direito a terem filhxs numa família homossexual. Nem todas as Mães são monogâmicas: lutam pelo direito a terem filhxs numa família poliamorosa reconhecida. Nem todas as Mães são brancas – lutam contra o racismo que está em todo o lado sabendo que pode atingir e vai atingir as crianças. Nem todas as Mães são Mães. Existem Pessoas com vaginas que querem efectivamente engravidar mas não são Mães - podem ser Pais. Ou podem nem ser Mães nem ser Pais – lutam contra uma sociedade trasfóbica que xs anula. Amamentar em público é ofensivo – novamente, policiamento dos corpos, sexualizar e objectificar. As crianças vão para a escola e vão ter uma educação cis hétero e mononormativa – as famílias dessas crianças não estão representadas socialmente – isto é uma luta. Vão ter uma educação racista, xenófoba, ouvir comentários machistas e tantos outros que nós tentamos eliminar. Também existem Mulheres cis, heterossexuais e monogâmicas que querem ser Mães - estas Mulheres podem perder os empregos sobre mil e um pretextos. Estas Mulheres deixam de ser Mulheres aos olhos sociais para serem Mães. É-lhes retirada a identidade. Isto é uma luta, é uma luta de todas as pessoas que defendem a liberdade. Que reconhecem que estamos constantemente a ser controladxs. Existem adolescentes que engravidam e são abandonadas. Responsabilizadas. Culpabilizadas. Isto é uma luta. Existe um discurso super errado que as Mulheres feministas têm que ouvir: Ah! És feminista mas sempre tomaste a decisão de ter filhxs, afinal não discordas assim tanto do que a sociedade diz. - Discordo! Não acredito que seja o papel da Mulher reproduzir – Eu, enquanto pessoa singular, quis ser Mãe.
Eu sou feminista e quero ser Mãe. Decidir ser Mãe, para mim, foi um processo trabalhoso. Tomar consciência das dificuldades sociais que vou viver e sobretudo que outras Pessoas vão viver – aquelas que eu trago ao Mundo. Tomar consciência da falta de apoio – saber que as "minhas" crianças não vão ver a família representada. Vou ter responsabilidade por estas novas Pessoas – mas elas não me pertencem. Pertencem a um todo.
Um dia, quando então eu decidir que é a altura ideal para engravidar, vou precisar de um enorme apoio da luta feminista – porque eu acredito que está aqui a sensibilidade para se lutar por grupos menosprezados - e um deles é sem dúvida o das crianças. Eu não estou a pedir a ninguém para tomar conta destes Seres – o argumento: mas eu não quis ter filhxs - não é okay - ninguém quer que tomem conta destas crianças mas que se preocupem com questões sociais que também as afectam. Que nos afectam.
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