Papoilas Saloias




Não me consigo lembrar da última vez que escrevi por amor ou sobre amor. Não me lembro de ser eu este tempo todo. Fiquei com o coração partido em milhões de vidros que cortam. Por amor; por doer. Não me consigo lembrar da última vez que quis incluir todas as estações num texto; todos os cheiros em palavras e todas as lágrimas em coisas felizes. Fui escrevendo coisas que são bonitas, leves. Nunca mais escrevi cartas de amor com o peito na boca e o ar escasso. Coração baço. Não me lembro de descrever que a única coisa que me faz sorrir são abraços. Rejeitei-os sempre até parecer meu não os querer. Até parecer meu ser fria. O mundo não sabia que me perdia nos teus braços e que agora a recordação me lembra Inferno. Inverno. Evito e irrito quem me quer amar. Evitei. Irritei. 

Estou a aprender a recomeçar. O único amor que conheço foi o que não me deixou quando pisei o meu coração e tropecei nos inequívocos de amar, esse ficou – não tive que aprender a recomeçar. Agora estou a escrever textos de amor e a dormir abraçada a certezas de querer porto-de-abrigo em corpos que não me querem intencionalmente destruir. Nem eu me quero destruir privando-me de te levar a ver a praia. Passearmos cães, pés pequenos e descalços, comermos refeições de todo o Mundo. Nem eu me quero destruir privando-me de me rir com vocês, ver filmes de quem ama, amando. Não me consigo lembrar da última vez que escrevi por amor ou sobre amor mas sei que estava a doer. Também está a doer agora. 

Tenho medo de querer desistir, destruir – tenho medo de fugir tão depressa que só me consigam encontrar se arranjarem um foguetão e partirem em direção ao fim do Universo – num campo de papoilas. Saloias. Papoilas saloias como isto de tanto amar. E se não é esta a aventura da vida, qual será? Os corpos arrastam-se nos dias a caminhar para a vida, esperançosos de amar mais. Os amarem mais, como peito que amamenta ou orgasmo de romance que não se aguenta. Eu não sei se consigo ficar para sempre e mais um dia ou mesmo só mais um dia; eu tenho medo de não conseguir ser liberdade, que sejas liberdade. Tenho medo que o meu coração todo colado, deixe de ser obra de arte e seja novamente tapete de galeria velha. Tenho medo que o reflexo de tantos pedacinhos nos encadeiem e não possamos mais ver as bocas onde escrevemos poemas. 

Eu já me tinha esquecido o que significa amar de novo e agora o meu coração só quer papoilas saloias.

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