Sopa de Amor
Cortei a cenoura em partes completamente distintas e com a magia de quem ama e de quem cura, preparei uma sopa que cheirava a novas recordações, preparei uma sopa que não me recordasse nada a não ser do meu tempo investido em sabores - amores.
Acabamos sempre a comparar e a disputar qual das mães deixou o melhor legado de condimentos, segredos e saudades. Enquanto a chuva me abraça acabo a aquecer a sopa repetidamente, de cada vez que somos paladar, em conjunto, viajo para sítios que não conheço – para sítios que só existem dentro de mim. A alegria de se viver é a alegria de partilhar coisas que não se prometem – simplesmente existem. É a eterna dádiva da partilha genuína.
Quando a luz é ínfima, só os pensamentos trazem luz e as mãos dos amores acabam sincronizadas na dança da comida, a que é boa e a que é suposto ser mágica. A dimensão em que entramos, que nos transcende, é traduzida na poesia do pensamento enquanto se sente o vapor a transformar-se em cheiros. Não somos caldeirões, mas somos filhas e netas de bruxas – boas bruxas – que faziam poções em caldos e caldos que enfeitiçavam e faziam do amor infinito. As ferramentas que lhes eram dadas eram nadas e esses nada(s) eram tudo(s) absolutos em que o ritmo era escrita e a escrita era eterna recordação.
Hoje
sou eu a querer lembrar legumes que apaixonam – entre a dança nada contemporânea,
mas que supera a sincronizada – penso nos sorrisos de futuros bebés com a sopa da
mãe, ou da mãe da mãe dos futuros bebés feliz por haver uma panela enorme e
comida na mesa. Uma panela enorme – como aprendi, comida para quem falta
chegar. Ter um lar e ter como amar, é deixar portas abertas e comida que sobre, quem precisa de carinho pode entrar.
Não
me lembro da última vez que escrevi sem ser sobre activismos que me fazem viver
e que me matam, hoje escolhi escrever sobre sopa – sobre amor numa panela, num
caldeirão ilustrado mentalmente. Os pratos recitam poemas de quem vive feliz e
eu vou sorrido, de colher de pau na mão, imaginando os sítios de onde os
sabores chegam nus, as mãos por onde passam para que nas nossas mãos se tornem molduras em paredes do coração, os sítios de onde tanto amor chega e também eu vou recitando poemas
de quem vive feliz, com um lar e com ter o que amar.
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