Onde não se queimam mais ninhos, só se abrigam pássaros, filhos.


SIMON SCOTT STROMBERG PHOTOGRAPHY 


Acordar com tamanho peso no peito é deitar fogo ao ninho que é apenas nosso. Um rebuliço de incertezas disfarçadas de tempo e de personalidade. Desperto em mim todos os demónios das dúvidas de amar e coso à pressa uma manta que me esconde do temporal. Encharcada, por todas as imperfeições que ficaram no que me cobria, rendo-me e entrego a alma ao que nunca foi meu.

O tempo que amadurece só entristece e só nos mostra como é fácil mentir – sem medir, abraço contrariada a vida que quase desejei, moldei agora em mim todos os defeitos que apontei nos outros. Hipócrita e sem sentido, resumo-me a isto que é acostumar-me. O medo das represálias e o medo dos confrontos, cantam em mim canções de abandono da essência. Choro-me, em vez de chorar a dor de partir e choro-me em vez de desejar nunca mais mentir.

Descalça, toco no ombro, retiro a alça e danço, nua. Os meus desejos são os de apoio e sinto que não posso fazer com que a lâmpada apareça, sem que eu desapareça, ou que o génio grite sem que todo o mundo critique e que me diga – nunca sabes o que queres.

Nunca sei o que quero por ser esta eterna criança revoltada, transformada, uma adulta emancipada. Cozo tudo o que preciso para que a sopa não seja amarga, vou adoecendo e aquecendo, giro e giro a colher de pau, o olhar de mau, a vida exposta. A luz do fogão já não chega, só me cega e já me aconchega. Desisti de investir nos valores que não me pertencem, orgulhosa dos meus feitos, carrego certezas no peito e só me afoguentam as sentenças.  

O Mundo gira sem ser em torno da Terra Mãe, mas em torno do que não é de ninguém, em torno do que o ego nos impinge. Todos os espíritos perdidos, encontrados nas verdades do coração, são apontados, gozados e só lhes dizem que não.

Acordar com tamanho peso no peito é deitar fogo ao ninho que é apenas meu. Queimo a casa, ou o que resta dela, nas fotografias já nem telhado tinha e as portas eram moças de discussões com voz grossa e olhar triste. Quantas casas serão lar e quantos lares são de amar, se no amor só vence quem não tem medo de arriscar? Risco-me da lista desses afortunados, lá me desencontro do que sonharam para mim, para que me encontre no que sonhei aqui, ali, assim – tão meu e especial.

Imagino-me com flores que crescem na barriga que explode, imagino-me um jardim onde não se queimam mais ninhos, só se abrigam pássaros, filhos. Para isso sei, preciso de uma capa de decisões, dar a volta, turbilhões, sentir o amor de Mãe.

Descalça, toco no ombro, retiro a alça e danço, nua – nunca tua, nunca de ninguém. Empenhada para que a coragem me consuma e os demónios se assumam para que eu possa por fim me libertar. Eu posso até falar, mas ninguém sabe explicar o céu ou o mar e eu não sei explicar a dor de não querer acordar, não sei explicar a dor de já não querer partilhar.

Ninguém me diz que não faz mal não querer mais, não estar mais – em vez disso, rasgam-me o fato de Super Mulher e transformam o meu estado em foices e coices. Um abraço e um “está tudo bem” um “sê feliz” enquanto te ris, enquanto confias em alguém. Um disco e um colo, um consolo de quem nos deu à luz. Temendo a reprovação da acção que evito por não querer decepcionar, vou-me destruindo consciente, a dor omnipresente e a vontade de viver mais.

Tenho os talheres na mão e a comida na mesa, tenho uma toalha bordada em tom de ouro e um caso de couro para que pareça valente. Tenho o que desejo na bandeja, com vidros e pregos antes dela, para que não seja fácil tocar. Mais vale a dor do momento ou a fome do sempre?

Quando o amor chega, arromba e acaba com tudo o que é mau, a dança serena, máscaras de Veneza e jantares com vinho branco – quando o amor fica, ou constrói ou destrói, ou é de coração ou é da razão – que amor é esse que não ilumina? Vejo-me apenas com a luz do fogão, a sopa queimou, a dança acabou e o génio nunca apareceu. Sou só eu, isto é só meu e ou pego fogo ao Mundo ou destruo o assunto para que possa ver a flor nascer.

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