Os dias sem fim
Os dias que não acabam têm esta particularidade de nos colocarem encostados a paredes de vidro – frágeis. Estes são os dias que começam com a tranquilidade de uma manhã de Primavera e terminam com a violência de uma tempestade.
São os dias que fazem doer. Deixamos de reconhecer quem somos e voltamos ao ponto de partida – quem sou eu e o que faço aqui? São os dias que não acabam – aqueles em que o nosso coração, de tão bom que é, se revolta por dar mais, sempre mais. Estes são os dias em que não me encontro, em que me escondo e finjo não ser. Os dias que não têm fim. Os dias que parecem agulhas nas costas e toneladas no peito.
Vivemos com a pressa de não sabermos viver e damos tudo o que somos, tudo o que temos, até a energia falhar. Acedo uma vela e não procuro ligar o quadro. Fico assim, sem luz. Penetro na possibilidade da falta de claridade ser sinal de noite. A noite representa o fim do dia – dos dias que não acabam.
Uma coisa, outra coisa – tantas coisas que nos fazem tremer. Estabelecemos prioridades e quando achamos que estão bem estabelecidas, somos atropelados pelos improvisos. As coisas que chegam. Enquanto estamos ali, na ponta da montanha, cabeça erguida em direção ao vazio, tudo o que é vento nos afecta. O equilíbrio é o que nos salva – um passo em falso, um espaço em falso, uma prioridade errada e somos pó. Memórias. Não é sempre assim – só nos dias sem fim.
Estes, os dias, têm a capacidade de alterar qualquer percepção. Mentem-nos ao ouvido, dizendo que todos os dias serão assim, infinitos. Cá dentro sabemos que não, que é um truque. Amanhã é um dia com fim, fazemos cruzes no peito e em forma de oração pedimos para que amanhã seja um dia com um fim bonito.
Ninguém nos avisa o que é crescer. Ninguém sabe avisar – porque no fundo, todos os corpos, são possibilidades de dias cheios de nadas.
Hoje é um dia que não acaba, porque tudo nele se arrasta para o amanhã, o depois e o sempre. Tiros no peito, num peito desfeito. O fim do dia, nestes dias, surge quando conseguimos finalmente respirar. Mas respirar, nesta vida, é um quadro abstracto, aberto a interpretações.
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