Capas.


Disse a mim própria que nem todas as minhas versões eram perfeitas. Limei todas as arestas, convicta de que não existia nada de bom em ser crua, nua, honesta e poderosa. Disse a mim própria que nunca haveria de ter cicatrizes, só feridas abertas. Convenci-me de que o mundo era feito de lã escura, de algodão sujo e de paredes falsas. Um murro – bastava um murro – e o muro caía. Disse tantas vezes a mim própria que não sabia nadar, que me afoguei em lagos secos. Disse-me: não podes ser cisne e certamente não serás pássaro. Repeti-o vezes sem conta. No fim de contas, nem todas as minhas versões eram perfeitas. Recriei-me, adaptei-me, pintei-me, vesti-me e despi-me para condizer com os tons do dia, rasguei a voz para combinar com o silêncio do pôr-do-sol e fui ninho de pedras. O ninho que não dá vida, não tem vida e não sobre(vive). As minhas versões imperfeitas não podiam ficar – tirava as luvas, olhava para a cena do crime – não havia rastos meus.

Depois tornei-me gente – arranquei a pele velha e só ficou a alma – velha; depois tornei-me mulher – arranquei o medo de mim e só ficou o poder – por mim. Depois vivi a dor, a perda, o susto, o coração partido, o queixo partido, o pulso partido – a mente rasgada – e aí, arranquei as perguntas e as suposições, restando tantas versões de mim quantas estrelas, quantas dúvidas e quanto de mau existe e eu não posso mudar. Nunca foram as minhas versões, é o lugar que não está adaptado, não é adequado - atrapalhado e perverso. Dizem que é do amor, dizem que é da impulsividade – nunca é da mentira, nunca é de quem tem culpa. Apontam o dedo e ainda se deixam rir de quem vive para si. Apontam o dedo e a arma - disparam. Todas as minhas versões já foram baleadas, nenhuma preenche todos os requisitos de capas - de revistas, de livros – de super-heróis. As cicatrizes ficaram e ainda se abrem algumas feridas, mas somos Frida, história. Podem rasgar-me a capa porque as asas de quem é livre, não são feitas de pano – são feitas para que quem não seja amor não as veja. Apontem o dedo e arma, falhem o tiro, engulam a bala – enquanto isso, eu sou cisne. Sou pássaro. Quem me vir? É luar. Silêncio – serenidade. Todos os outros? São só barulho num fim de tarde em que a música do meu peito toca mais alta que qualquer som.

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